
O tema da identidade dos grupos religiosos, explorado pelas obras seminais de Émile Durkheim e Max Weber, reaparece como que inesgotável pelas múltiplas implicações sociais que apresenta em cada contexto. O partilhar coletivo de crenças religiosas propicia estabilidade grupal, porém essa estabilidade parece sempre depender de dissoluções de outras estabilidades grupais. Seriam essas dissoluções com as filiações anteriores disruptivas ou relativísticas? Qual o limite identitário coletivamente firmado por grupos religiosos com “o outro”, o que está fora, sejam esses outros “segmentos religiosos” ou o “mundo”? ¿Como tais limites encontram expressão em discurso, em terminologias de pertencimento, em usos corporais, em vestimenta, em comportamento afetivo? Quais porosidades e constâncias podem-se perceber na história de uma doutrina, ou de um grupo religioso?
Frações religiosas continuamente reinterpretam, à luz de seu passado e de suas ambições presentes, as limitações que seus antecessores se impuseram. Quanto ao dinheiro e ao empreendedorismo econômico, por exemplo. André Ricardo de Souza, no primeiro artigo que apresentamos, traz os princípios e a história de uma teologia prática pentecostal que exigiu uma fusão entre o empreendedor religioso e o econômico. O sucesso da peculiar correlação entre graça divina e sucesso financeiro postulada pelo health and wealth gospel fez surgir organizações e líderes religiosos de estilo até então desconhecido nas vertentes pentecostais tradicionais. Abordam-se no artigo de Souza a escalada patrimonial de tais organizações e líderes religiosos no Brasil, bem como as suas extensões para o ramo das comunicações, para a assistência social e para a política, em diversos níveis.
Tanto no artigo de Souza quanto no de César Ceriani Cernadas, relatam-se esforços de adaptação da identidade religiosa a novas configurações sociais, embora os terrenos e objetos de pesquisa destes dois primeiros artigos sejam diferentes. Ao desenvolver uma história socioantropológica do mormonismo na Argentina, Ceriani Cernadas analisa o contexto de partida da religião, avança para a compreensão de sua chegada à Argentina como religião de imigrantes e sua posterior difusão, não somente entre outras camadas da sociedade argentina, mas também no interior do país. Em termos analíticos, o artigo apresenta o paralelo possível entre a introdução dos mórmons e das igrejas protestantes em geral, assim como analisa o contexto de recepção da mensagem religiosa tendo em vista as transformações na sociedade argentina durante meados do século XX.
Os dois últimos artigos deste número desenvolvem a análise da identidade religiosa por meio de cortes analíticos sincrônicos. Nestes textos, a ênfase recai na constituição dos limites do grupo, nos códigos de conduta e de apresentação. Damian Setton descreve e analisa uma comunidade de judeus ortodoxos, a Jabad Lubavitch, de origem russa. Sua discussão recai sobre as formas de definição do pertencimento à comunidade, expressas numa terminologia que, embora particular, revela características comuns a outros grupos sociais. Setton analisa de forma interessante múltiplas dimensões da experiência identitária (institucional, comunitária-cultural e espiritual), além de explorar as tensões entre o universal e o particular constituintes dessa expresssão religiosa. Ainda que não lidos através de dimensões analíticas como as postuladas por Setton, os dados trazidos no último artigo desta série refletem a preocupação com a complexidade do pertencimento religioso, ancorado num cruzamento entre código religioso e conduta afetivo-sexual. O artigo de Maria de Fátima Paz Alves resulta de pesquisa etnográfica entre jovens pentecostais de Pernambuco congregados em seções bastante tradicionais das Assembleias de Deus. Conversando com esses jovens, Paz Alves discorre sobre seus entendimentos acerca da relação entre afetividade e sexo, da virgindade e da homossexualidade, sempre tendo como horizonte o diálogo tenso entre o “mundo” (com sua multiplicidade de códigos no que tange à liberdade sexual individual) e o código de conduta preconizado pela dimensão institucional da experiência identitária.
Daniel Alves
http://seer.ufrgs.br/CienciasSociaiseReligiao/issue/current
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